Hérnia Tonsilar: Fisiopatologia e Quadro Clínico

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INTRODUÇÃO

A hérnia cerebral é definida como o movimento do tecido cerebral de um compartimento intracraniano para outro. Existem três compartimentos intracranianos fundamentais criados por duas dobras rígidas de dura conhecidas como a foice do cérebro e o tentório. A foice do cérebro separa cada hemisfério cerebral. O tentório separa a abóbada craniana em compartimentos supratentoriais e infratentoriais. O compartimento infratentorial também é conhecido como fossa posterior. Dentro da fossa posterior estão o cerebelo e o tronco encefálico. Há duas aberturas no compartimento infratentorial: o forame magno e o entalhe tentorial. O entalhe tentorial permite a comunicação entre os compartimentos infratentorial e supratentorial. O forame magno permite a passagem da fossa posterior e para o canal espinhal.

Uma hérnia tonsilar é caracterizada pela descida das tonsilas cerebelares através do forame magno, que comprime a medula contra o processo clivus/odontoide. Clinicamente, a compressão progressiva da medula causa o reflexo de Cushing, resultando em morte.

ETIOLOGIA

Qualquer patologia intracraniana que provoque um aumento da pressão intracraniana (PIC) pode causar hérnia tonsilar, particularmente patologias da fossa posterior. Estes incluem:

  • Hematoma intraparenquimatoso (particularmente cerebelar)
  • Subdural
  • Extradural
  • Intraventricular
  • Hemorragia subaracnóide
  • Lesões expansivas da fossa posterior
    • Tumor
    • Abcesso
  • Hidrocefalia
  • Edema cerebral difuso
  • Drenagem liquórica por punção lombar

Historicamente, a punção lombar  é uma causa mais comum de hérnia tonsilar. Se um paciente aumentou a PIC, a redução da pressão dentro do canal espinhal pode aumentar o gradiente de pressão entre esse e a fossa posterior, resultando em hérnia tonsilar através do forame magno. Antes do advento da tomografia computadorizada (TC) na década de 1970, pacientes com sinais de pressão intracraniana elevada tinham “punções lombares terapêuticas”, onde um grande volume de LCR era removido. Na prática moderna, se um paciente tem sinais ou sintomas de HIC (cefaleia, náuseas, rebaixamento do nível de consciência, papiledema ou déficit neurológico focal), então neuroimagem é sempre indicada antes da punção lombar. Isso permite avaliar se é seguro ou não proceder com um LP.

ATH = ascending transtentorial hernia, DTH = descending transtentorial hernia.

EPIDEMIOLOGIA

A incidência de hérnia tonsilar não está documentada, pois é uma resposta fisiológica a uma variedade de processos patológicos subjacentes. A causa mais comum é a lesão cerebral traumática (TCE), mas outras causas incluem hemorragia intracerebral e hemorragia subaracnóidea. A incidência de TCE em todo o mundo é estimada em 69 milhões de indivíduos por ano.

FISIOPATOLOGIA

A doutrina de Monroe-Kellie afirma que o conteúdo da cavidade craniana tem volumes fixos. Há aproximadamente 1400 mL de tecido cerebral, 150 mL de LCR e 150 mL de sangue dentro da vasculatura cerebral. O crânio é uma estrutura fixa uma vez que as suturas se fundem por volta dos 18 meses de idade. A única saída restante da abóbada craniana é através do forame magno na base da fossa posterior. De acordo com a doutrina de Monroe-Kellie, se houver um aumento em um dos componentes, os outros devem compensar.

Por exemplo, se o parênquima cerebral incha após um acidente vascular cerebral isquêmico, o volume total do tecido cerebral aumenta. Para compensar, o LCR e os volumes sanguíneos diminuem. Normalmente, o volume de LCR é reduzido primeiro por ser empurrado para fora através do forame magno. Isto é seguido por sangue venoso e capilar, que é esvaziado predominantemente através das veias jugulares. Essa capacidade para a cavidade craniana compensar volumes aumentados é conhecida como complacência intracraniana. Uma vez esgotado este mecanismo, o parênquima cerebral herniará de um compartimento para outro.

Um exemplo particularmente importante para a hérnia tonsilar é uma hemorragia cerebelar, que pode cursar com hérniação das amígdalas cerebelares através do forame magno, comprimindo a medula. Em 1901, Cushing publicou seu artigo “Sobre um mecanismo regulatório definido do centro vasomotor, que controla a pressão arterial durante a compressão cerebral”, descrevendo as alterações fisiológicas que ocorrem durante a compressão da medula. Isso mais tarde ficou conhecido como reflexo de Cushing, que dá origem à tríade de Cushing: 1. pressão arterial elevada, 2. bradicardia e 3. respiração irregular. Cushing demonstrou que o aumento da pressão intracraniana aumenta a pressão arterial para um nível ligeiramente acima da pressão que está sendo exercida sobre a medula e postulou que o aumento da pressão arterial foi uma resposta reflexa à isquemia do tronco encefálico.

Existem duas teorias propostas para explicar a bradicardia subsequente. Primeiro, o aumento da pressão arterial ativa os barorreceptores no arco aórtico, o que desencadeia a ativação parassimpática. Em segundo lugar, a compressão intracraniana do nervo vago provoca bradicardia. Independentemente de qual mecanismo explica a bradicardia, este é considerado um estágio terminal, pois a pressão arterial continua a subir para perfundir o tronco encefálico, pois é comprimido contra o processo clivus/odontoide pelas amígdalas cerebelares. À medida que ocorrem danos adicionais ao tronco encefálico, a freqüência cardíaca pode aumentar e a respiração diminui com episódios apneicos. Eventualmente, a respiração pode tornar-se agônica antes de o paciente entrar em parada cardiorespiratória.

HISTÓRIA E EXAME FÍSICO

Geralmente, com o aumento da PIC e compressão do tronco encefálico, o paciente entra em coma. Ao exame, o paciente pode ter postura anormal, como decorticação ou decerebração. No entanto, com hérnia tonsilar tardia, o paciente terá paralisia flácida. As pupilas podem ser anormais com padrões variados dependendo da patologia subjacente. A compressão do mesencéfalo tende a gerar pupilas de médio porte e não reativas, enquanto uma hemorragia pontina levará a pupilas puntiformes e não reativas. Se uma lesão supratentorial com hérnia tentorial ocorreu primeiro, o paciente pode apresentar anisocoria devido à compressão do nervo oculomotor.

Cushing descreveu quatro estágios de hipertensão intracraniana:

  • Compensação – a pressão intracraniana aumenta sem alterações fisiológicas \
  • Manifestações precoces – cefaleia e desenvolvimento de irritabilidade
  • Manifestação máxima – sintomas graves como pressão arterial elevada, bradicardia e respiração irregular
  • Paralisia – coma profundo com pressão arterial baixa e taquicardia antes da apneia e óbito

AVALIAÇÃO

Avaliação neurológica em pacientes com TCE baseia-se na escala de coma de Glasgow, que é aceita no mundo inteiro. No entanto, tem algumas críticas; em particular, a escala não é ordinal ou linear. Por exemplo, perder dois pontos na fala pode representar um déficit neurológico focal com lesão em uma região cerebral responsável pela fala em oposição a representar um distúrbio de consciência. A TC de crânio é obrigatória em pacientes com coma, a menos que seja encontrada uma causa médica ou metabólica conhecida e reversível. Pacientes com consciência reduzida e anisocoria são muito propensos a ter uma chamada “lesão cirúrgica”. Portanto, é necessária uma imagem urgente para diagnosticar patologia intracraniana que possa ser passível de intervenção cirúrgica. Sinais de efeito de massa na TC incluem deslocamento da linha média, obliteração das cisternas basais, apagamento dos ventrículos e sulcos e hidrocefalia obstrutiva.

A hérnia tonsilar é visualizada na imagem coronal por presença de tecido cerebelar do forame magno, apagamento das cisternas de base e, na incidência sagital, a descida das amígdalas cerebelares abaixo do nível do forame magno. Também pode haver sinais de hidrocefalia obstrutiva devido à compressão do quarto ventrículo.Se o paciente precisar de tratamento agudo, a colocação de um sistema de monitoramento PIC pode ser indicada. Isso geralmente é na forma de um parafuso ou cateter intraventricular. Com síndromes de hérnia, a PIC é tipicamente alta, pelo menos mais de 20 mm Hg. A forma de onda provavelmente indicará uma perda na complascência intracraniana. Na forma de onda PIC, existem três ondas; a primeira (P1) representa sístole e é conhecida como “onda de percussão” ou “chute arterial”. O segundo (P2) representa a “Tidal Wave” da complacência cerebral, e a terceiro (P3) é a onda venosa ou “entalhe dicrótico”.

Na fisiologia normal, P1 deve ser maior que P2, que é maior que o P3. (ver imagem acima). Quando P2 é a onda mais alta, a conplascência é perdida. Isso indica um compartimento intracraniano que não é mais capaz de compensar o aumento dos volumes e, portanto, a PIC está aumenta. Um benefício adicional para colocar um cateter intraventricular para monitorar a PIC é que o LCR pode ser drenado de forma terapêutica, conforme necessário, para diminuir a PIC.

TRATAMENTO E MANEJO

Uma hérnia tonsilar é indicativa de uma patologia subjacente que pode incluir trauma, hemorragia, tumor ou hidrocefalia. Portanto, o tratamento é direcionado para a patologia subjacente. Em primeiro lugar, como em todos os pacientes comatosos, medidas de suporte devem iniciadas. Estes incluem:

  • Proteção das vias aéreas se escala de coma de Glasgow (GCS) de 8 ou menor
  • Oxigenação e evitar de hipóxia (saturações de O2 alvo > 90%)
  • Ventilação adequada para uma PaCO2 alvo de 35-40 mmHg
  • Um curto período de hiperventilação com PaCO2 de 30-35 mmHg é usado apenas como medida transitória para diminuir a PaCO2, causando vasoconstrição arterial e reduzindo o fluxo sanguíneo cerebral. Isso reduz a PIC agudamente como um método rápido e pode ser especialmente útil para um paciente que está se deteriorando agudamente com sinais de hérnia enquanto aguarda neuroimagem ou mesmo encaminhamento para sala de cirurgia. Uma PaCO2 abaixo de 25 mmHg causará isquemia cerebral
  • Balanço de fluidos com alvos de pressão arterial média( PAM) de 60 a 70 mmHg. Evitar hipotensão (pressão arterial sistólica <90mmHg), pois duplica a mortalidade nos pacientes  vítimas de TCE
  • A terapia osmótica é outra medida que pode ser iniciada quando um paciente apresenta sinais agudos de hérniação. Mais uma vez, isso funciona diminuindo o PIC. Os agentes típicos utilizados são manitol (0,25 – 1 gm/ kg de peso corporal) ou salina hipertônica 3% (2-5 mL/kg ao longo de 10-20 minutos)
  • Normotermia, tratamento da sepse e nutrição adequada
  • Intervenções cirúrgicas são baseadas em três princípios amplos: remoção da lesão causadora efeito de massa, como hematoma ou tumor. Drenagem do LCR para reduzir a PIC, como a inserção de um dreno ventricular externo. Craniectomia descompressiva (nível III de evidência para PIC refratária com evidência de hérnia)

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Anormalidades congênitas como a malformação de Chiari mostram posicionamento das tonsilas abaixo do forame magno e podem ser encontradas incidentalmente em neur imagem. Embora Chiari possa ser sintomática, não é um fenômeno agudo e não causa compressão aguda do tronco encefálico. Disreflexia autonômica também pode causar pressão arterial elevada com bradicardia reflexa; no entanto, esses pacientes não estão em coma, e sua respiração não é afetada. Lesão espinhal aguda com choque neurogênico, se cervical, pode causar bradicardia, mas com hipotensão associada.

PROGNÓSTICO

A hérnia tonsilar é o estágio final de um processo intracraniano agressivo. No entanto, Cushing descreveu quatro estágios de hérnia tonsilar e alguns estudos sugerem que a intervenção cirúrgica no início do processo poderia prevenir a mortalidade. Uma série de casos analisou o diagnóstico precoce da hérnia tonsilar em casos de tumores de fossa posterior e mostrou que a morte poderia ser evitada com descompressão cirúrgica precoce.

A hérnia tonsilar é tipicamente considerada um evento terminal se não for tratada prontamente. Quando ocorre, a chance de recuperação é significativamente reduzida. Quando uma síndrome de hérnia produz comprometimento respiratório, como encontrado na tríade de Cushing, não há chance de uma recuperação significativa.  A hérnia cerebral após TCE tem um mau prognóstico e hérnia com sinais de compressão do tronco encefálico é “incomumente reversível”. Pacientes em coma após ferimentos por projetil de arma de fogo com evidência clínica de comprometimento do tronco encefálico tiveram uma mortalidade de 100%.

COMPLICAÇÕES

Além do déficit neurológico subjacente que pode seguir a hérnia tonsilar (lesão cerebral permanente, morte cerebral, parada respiratória, coma e morte), outras complicações incluem as sequelas da doença crítica. Estes incluem pneumonia associada ao ventilador, trombose venosa profunda, tromboembolismo pulmonar e miopatia de doença crítica. Aproximadamente 5% dos pacientes com TCE apresentam lesão associada ao sistema visual. TCE com fraturas de base do crânio também pode apresentar mais tarde com hipopituitarismo.

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